by Ana

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quinta-feira, 14 de junho de 2012

Um "tema de assunto"

Não me tem apetecido escrever. Não por não ter montes de "assunto de tema" ou "tema de assunto", mas simplesmente porque não. Não flui, não tenho sentido necessidade de.
Hoje, recebi por e-mail esta reflexão sobre a língua portuguesa, em jeito de redação, escrita por um aluno do 8ºano.
Ora aqui ficam as palavras do João, como se fossem as minhas.

Declaração de Amor à Língua Portuguesa

Vou chumbar a Língua Portuguesa, quase toda a turma vai chumbar, mas a gente
está tão farta que já nem se importa. As aulas de português são um massacre.
A professora? Coitada, até é simpática, o que a mandam ensinar é que não se
aguenta. Por exemplo, isto: No ano passado, quando se dizia “ele está em
casa”, ”em casa” era o complemento circunstancial de lugar. Agora é o
predicativo do sujeito.”O Quim está na retrete” : “na retrete” é o
predicativo do sujeito, tal e qual como se disséssemos “ela é bonita”.
Bonita é uma característica dela, mas “na retrete” é característica dele?
Meu Deus, a setôra também acha que não, mas passou a predicativo do sujeito,
e agora o Quim que se dane, com a retrete colada ao rabo.
No ano passado havia complementos circunstanciais de tempo, modo, lugar
etc., conforme se precisava. Mas agora desapareceram e só há o desgraçado de
um “complemento oblíquo”. Julgávamos que era o simplex a funcionar: Pronto,
é tudo “complemento oblíquo”, já está. Simples, não é? Mas qual, não há
simplex nenhum,o que há é um complicómetro a complicar tudo de uma ponta a
outra: há por exemplo verbos transitivos directos e indirectos, ou directos
e indirectos ao mesmo tempo, há verbos de estado e verbos de evento,e os
verbos de evento podem ser instantâneos ou prolongados, almoçar por exemplo
é um verbo de evento prolongado (um bom almoço deve ter aperitivos, vários
pratos e muitas sobremesas). E há verbos epistémicos, perceptivos,
psicológicos e outros, há o tema e o rema, e deve haver coerência e
relevância do tema com o rema; há o determinante e o modificador, o
determinante possessivo pode ocorrer no modificador apositivo e as locuções
coordenativas podem ocorrer em locuções contínuas correlativas. Estão a ver?
E isto é só o princípio. Se eu disser: Algumas árvores secaram, ”algumas” é
um quantificativo existencial, e a progressão temática de um texto pode
ocorrer pela conversão do rema em tema do enunciado seguinte e assim
sucessivamente.
No ano passado se disséssemos “O Zé não foi ao Porto”, era uma frase
declarativa negativa. Agora a predicação apresenta um elemento de
polaridade, e o enunciado é de polaridade negativa.
No ano passado, se disséssemos “A rapariga entrou em casa. Abriu a janela”,
o sujeito de “abriu a janela” era ela,subentendido. Agora o sujeito é nulo.
Porquê, se sabemos que continua a ser ela? Que aconteceu à pobre da
rapariga? Evaporou-se no espaço?
A professora também anda aflita. Pelo vistos no ano passado ensinou coisas
erradas, mas não foi culpa dela se agora mudaram tudo, embora a autora da
gramática deste ano seja a mesma que fez a gramática do ano passado. Mas
quem faz as gramáticas pode dizer ou desdizer o que quiser
,
quem chumba nos
exames somos nós. É uma chatice. Ainda só estou no sétimo ano, sou bom aluno
em tudo excepto em português,que odeio, vou ser cientista e astronauta, e
tenho de gramar até ao 12º estas coisas que me recuso a aprender, porque as
acho demasiado parvas. Por exemplo, o que acham de adjectivalização deverbal
e deadjectival, pronomes com valor anafórico, catafórico ou deítico, classes
e subclasses do modificador, signo linguístico, hiperonímia, hiponímia,
holonímia, meronímia, modalidade epistémica, apreciativa e deôntica,
discurso e interdiscurso, texto, cotexto, intertexto, hipotexto,
metatatexto, prototexto, macroestruturas e microestruturas textuais,
implicação e implicaturas conversacionais? Pois vou ter de decorar um
dicionário inteirinho de palavrões assim. Palavrões por palavrões, eu sei
dos bons, dos que ajudam a cuspir a raiva. Mas estes palavrões só são para
esquecer, dão um trabalhão e depois não servem para nada, é sempre a mesma
tralha, para não dizer outra palavra (a começar por t, com 6 letras e a

acabar em “ampa”, isso mesmo, claro.)
Mas eu estou farto. Farto até de dar erros, porque me põem na frente frases
cheias deles, excepto uma, para eu escolher a que está certa. Mesmo sem
querer, às vezes memorizo com os olhos o que está errado, por exemplo:
haviam duas flores no jardim. Ou : a gente vamos à rua. Puseram-me erros
desses na frente tantas vezes que já quase me parecem certos. Deve ser por
isso que os ministros também os dizem na televisão. E também já não suporto
respostas de cruzinhas, parece o totoloto. Embora às vezes até se acerte ao
calhas. Livros não se lê nenhum, só nos dão notícias de jornais e
reportagens,ou pedaços de novelas. Estou careca de saber o que é o lead,
parem de nos chatear. Nascemos curiosos e inteligentes, mas conseguem
pôr-nos a detestar ler, detestar livros, detestar tudo. As redacções também
são sempre sobre temas chatos, com um certo formato e um número certo de
palavras. Só agora é que estou a escrever o que me apetece, porque já sei
que de qualquer maneira vou ter zero.
E pronto, que se lixe, acabei a redacção - agora parece que se escreve
redação.O meu pai diz que é um disparate, e que o Brasil não tem culpa
nenhuma, não nos quer impôr a sua norma nem tem sentimentos de superioridade
em relação a nós, só porque é grande e nós somos pequenos. A culpa é toda
nossa, diz o meu pai, somos muito burros e julgamos que se escrevermos ação
e redação nos tornamos logo do tamanho do Brasil, como se nos puséssemos em
cima de sapatos altos. Mas, como os sapatos não são nossos nem nos servem,
andamos por aí aos trambolhões, a entortar os pés e a manquejar. E é bem
feita, para não sermos burros.
E agora é mesmo o fim. Vou deitar a gramática na retrete, e quando a setôra
me pe.rguntar: Ó João, onde está a tua gramática? Respondo: Está nula e
subentendida na retrete, setôra, enfiei-a no predicativo do sujeito.

João Abelhudo, 8º ano, setôra, sem ofensa para si, que até é simpática

(enviado por e-mail)

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